De repente deparei-me com aquela cena. Não! Meus olhos não queriam ver aquilo. Hesitei
em acreditar. Era uma típica tarde de inverno, todos nos aconchegos de seus blusões quentes
ou dentro de seus carros aquecidos, e ali, bem ali estava ele.Era gente ou era um trapo? Era humano ou um bicho? Não, era sobrevivente de uma sociedade egoísta! De uma sociedade que expurga, que maltrata e que lança fora como se fosse um material descartável. Não estava preocupado ou não tinha entendimento do que estava a sua volta? Sem noção, sem preconceito
sem sentimentos. Alheio a tudo e a todos. Era um homem no lixo ou seria o homem o lixo? E fiquei a observar o que fazia ali. Ao analisar as suas vestes (quase nenhuma) a cor da sua pele enegrecida pela sujeira, cabelos despenteados, barba emaranhadas, pés descalços calejados pelo tempo. Tempo! Quanto tempo? Olhar fixo no lixo espalhado ao seu redor sem nenhuma atitude, perplexo como se tivesse descoberto um tesouro. Sorrio. Sorriso perdido como se lembranças tivessem vindo à tona.O que procuravas ali? Lixo, sujeiras, insetos e o homem. Homem de carne, ossos, pele, membros e tudo o que exterior podia nos revelar. Mas o que tinha
por dentro? O mesmo que eu, que você. Aquele homem também tinha um coração. Um coração que não se importava com a sua aparência e fazia o seu trabalho como em qualquer outro. Um coração que bombardeava sangue naquele corpo frio e sem esperança. Eu ali, ele lá. Até que numa atitude lenta e inconsciente começou procurar algo naquele lixo. E numa busca desenfreada
alegrou-se com algo que havia encontrado e freneticamente levou-o à boca. Estavas a procura de alimento para saciar sua fome. Fome de pão, de amor, fome de dignidade. Como entender isso?
Como compreender a que ponto chegou a humanidade? O que fizeram com aquele homem? O que tiraram dele? Eu sei. Roubaram a sua dignidade, a sua identidade e o transformaram em apenas um corpo sem alma, sem sonhos, sem esperanças.E eu, impotente diante de uma realidade cruel e desumana dirigi-me a procura de um lugar confortável para saborear uma comida gostosa deixando para trás o homem que comia o lixo. Quantos passaram por ali e sem enxergar ou se preocupar com o nosso semelhante que comia lixo. Não pude agir, não pude alimentar a sua fome, mas deixou em mim a marca de um próximo tão distante e jogado ao lixo consequência de uma sociedade fria e excludente.
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